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17 Março 2023em Expresso
A Justiça divina e a Justiça terrena

Abuso sexual de crianças na Igreja Católica

 As consequências dos comportamentos mais graves do abuso sexual de crianças podem chegar aos 15 anos de prisão, pena quase semelhante à do homicídio. Os autores destes ilícitos são de tal forma censurados que, mesmo nas prisões, são ignorados e violentados pela população reclusa.

Os abusos sexuais na Igreja assumem uma gravidade particular, uma vez que foram cometidos por quem prega os mandamentos da Lei de Deus e é visto, sobretudo pelas crianças, como alguém que tem o dom de distinguir o bem do mal, o justo do injusto, de declarar guerra ao pecado. Sobre o pecado dos sacerdotes, preconiza S. João Crisóstomo «se pecardes como particular, será menor o vosso castigo; se pecais no sacerdócio estais perdido». Creio que, em muitos casos, apenas a justiça divina poderá julgar os factos perpetrados há anos, apesar de ainda não terem prescrito à luz da justiça terrena.

A minha experiência profissional do patrocínio, quer do lado dos arguidos, quer do lado das vítimas, diz-me que a investigação criminal sobre este tipo de crimes assenta sobretudo nos depoimentos da vítima, corroborados por um conjunto de meios de prova materiais, como sejam os exames sexuais para detetar vestígios de lesões, os documentos e os exames aos dispositivos informáticos (telemóveis e computadores). Quando os polícias são chamados a investigar este tipo de ilícitos, não raras vezes, os crimes estão a cometer-se ou acabaram de ser praticados, o que significa que os polícias dispõem, em regra, de uma panóplia probatória que lhes permite apurarem os autores dos crimes com segurança.

Decorridos anos sobre a prática dos factos, e não existindo a confissão do arguido, sobram apenas os depoimentos das vítimas. Apesar de os depoimentos das vítimas transportarem, na esmagadora maioria, a verdade dos factos, a segurança da justiça penal coloca reservas na suficiência de um depoimento para a condenação de um cidadão.

Ainda que o juiz se convença da credibilidade do conteúdo do depoimento de uma vítima, a experiência diz-nos que existem, muitas vezes, razões para duvidar da sua veracidade. Recordo o patrocínio de um processo de abuso sexual em que uma criança imputava factos muito graves a um dos progenitores. A criança foi sujeita a perícia médico-legal a fim de a sua versão ser submetida a teste de validade. Os peritos concluíram que havia indicadores de fantasia, mentira e sugestões, não merecendo o seu depoimento fiabilidade e credibilidade.

Os dados referidos apelam à reflexão sobre as vantagens do alargamento das prescrições dos crimes desta natureza. Quem não apresentou queixa-crime até aos 23 anos de idade dificilmente pretenderá reavivar uma ferida cada vez mais distante.

A sociedade, através das suas instituições, tem obrigação de desempenhar uma função preventiva, dispondo de mecanismos capazes de detetarem atempadamente os abusos de crianças. O sistema penal deve atuar apenas reactivamente.

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Artigo por: Carlos Melo Alves

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