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2021em Diário de Notícias
As escutas telefónicas e as polícias

1. Como sabemos o combate ao tipo de criminalidade que afeta o dia a dia dos cidadãos é investigado em grande parte pela Polícia de Segurança Pública e pela Guarda Nacional Republicana, designadamente quanto aos crimes de furto, roubo e tráfico de estupefacientes (o chamado tráfico de rua).

Independentemente de outras razões, igualmente válidas, estes dois órgãos de polícia criminal, estão em melhores condições para combater este tipo de criminalidade, fundamentalmente pela proximidade que têm com os bairros onde se movimentam os suspeitos daqueles ilícitos. Impedir estes órgãos de polícia criminal de utilizarem as escutas telefónicas era o mesmo que se lhes retirassem a maior arma probatória de combate ao crime. Na verdade, devido aos avanços das técnicas utilizadas pelos agentes dos crimes, hoje, seria impensável e inexequível uma investigação eficaz sem o apoio das escutas telefónicas. Diria mais, a utilização daquele meio de prova (sentido amplo) será sempre o princípio do combate, por banda da Polícia Judiciária, da grande criminalidade, pois, quer a GNR quer a PSP, através das suas investigações, devem transmitir à PJ informações preciosas para se chegar ao grande crime.

É verdade que uma escuta telefónica atenta contra direitos fundamentais dos cidadãos. Porém, a possibilidade de a GNR e/ou a PSP de deitarem mão a este mecanismo de prova em nada interfere com o rigor e o cumprimento dos requisitos das escutas telefónicas. Estes (a autorização de uma escuta, quem pode ser escutado, durante quanto tempo e o controlo do conteúdo de uma escuta), pertencem exclusivamente ao juiz. Aliás, a minha experiência profissional até me diz que a GNR e a PSP são muito cuidadosas no acompanhamento policial de uma escuta telefónica.

2. De um ponto de vista científico as alterações ao regime jurídico-processual das escutas telefónicas, introduzidas em 2007, merecem várias críticas.

Desde logo, e a mais importante prende-se com uma questão de fundo. Desde há alguns anos que a nível do processo penal se vem exigindo uma reforma da lei processual codificada que abarque os meios ocultos de investigação, designadamente as escutas telefónicas, as ações encobertas, as videovigilâncias, os microfones ocultos, a faturação detalhada e a localização celular.

Uma outra critica, não menos importante, relativa à clarificação dos requisitos de autorização de uma escuta telefónica. O legislador deixou muitas dúvidas no ar, diria que foi incapaz de plasmar no regime jurídico das escutas telefónicas mecanismos adequados a evitar que este instrumento constitua, na generalidade dos grandes processos de investigação criminal, o meio de prova e de obtenção de prova mais vulgar e principal o que afronta todos os princípios subjacentes ao processo penal.

O cidadão inocente tem razões de sobra para se sentir desprotegido com as alterações ao nível dos meios ocultos de investigação criminal.

3. Apesar de ser fácil vir a terreiro afirmar da existência de escutas ilegais (sem autorização judicial) o certo é que dos milhares de processos que me passaram pelas mãos não encontrei qualquer sinal sustentado dessa imputação.

Admito e configuro a possibilidade de a nível político e empresarial possam existir escutas ilegais por razões inerentes a essas atividades.

Dentro de uma investigação criminal não vislumbro necessidade das existências de escutas ilegais (repito, sem autorização de um juiz), pois, infelizmente, à luz da lei e de acordo com a praxis judicial é demasiado fácil obter uma escuta do juiz. Diria que, para o órgão de polícia criminal é mais fácil obter uma autorização judicial de uma interceção telefónica que realizar uma escuta ilegal.

Agora, se abordarmos a questão de um ponto de vista mais amplo (cumprimento dos requisitos atinentes às escutas telefónicas), na minha opinião, os processos de investigação criminal estão cheios de escutas ilegais.

Artigo por: Tiago Melo Alves

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