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05 Junho 2024em Expresso
OPINIÃO | O erro da PGR: os pecados do último parágrafo que levou à demissão do primeiro-ministro

Volvidos vários meses sobre a tempestade política motivada pelo comunicado do Ministério Público, é tempo de analisar a bondade do último parágrafo à luz do nosso sistema judicial.

Com a publicação do chamado “último parágrafo da nota para a comunicação social” estamos em crer que a intenção do Ministério Público se prendeu com razões de transparência processual. Pretendia a procuradoria demonstrar que não protege os mais fortes, ainda que se trate do primeiro-ministro.

Recorde-se o teor do último parágrafo:
“No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto supra referido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”

Nos processos de investigação complexa vigora, em regra, o segredo de justiça que tem como objetivo não só garantir a eficácia da investigação criminal, como também respeitar o princípio da presunção de inocência do suspeito que se vê exposto a juízos de valor nos meios de comunicação social que lesam, muitas vezes de forma irreversível, os seus direitos fundamentais à honra e à própria imagem. Neste sentido, este parágrafo nunca deveria ter sido escrito e tornado público, pois os bons princípios do processo penal e, sobretudo, o interesse da investigação e do suspeito assim o impunham. A prática forense de quem lida com esta matéria dificilmente compreende que se dê conhecimento de que um suspeito está a ser investigado.

Vejamos o que acontece na prática forense. Estando um grupo de indivíduos a ser investigado pela prática de vários crimes, os polícias e o Ministério Público podem entender – o que sucede frequentemente – que a responsabilidade criminal de um desses suspeitos deva ser investigada num processo autónomo, por razões essencialmente de estratégia da investigação. No caso concreto, entendeu-se que a entidade competente para a investigação do Primeiro-Ministro era o Supremo Tribunal de Justiça. Nestes casos o Ministério Público extrai certidão para a investigação prosseguir num processo diferente.

É neste momento que o comunicado padece de dois pecados mortais.

O primeiro deles, tendo o suspeito conhecimento de que está a ser investigado pela alegada prática de um crime, compreensivelmente, tomará todas as medidas para ocultar e ludibriar as provas que se encontrem em seu poder. Ora, os métodos de investigação altamente eficazes no combate ao crime – buscas, escutas telefónicas e vigilâncias – ficam completamente comprometidos. Se o suspeito tiver conhecimento de que vai ser realizada uma busca à sua residência, esta diligência perde toda a sua eficácia pois é provável que o suspeito se desfaça das provas que o possam incriminar.

O segundo pecado consiste em dar conhecimento ao suspeito, através de comunicado, dos meios de prova que contra ele existem. Transmitir-se para o público a informação de que dois dos suspeitos investigados e detidos num processo invocaram o nome e a autoridade do Primeiro-Ministro para dele obterem favores ilícitos permite uma reação dos suspeitos no sentido de concertarem versões e despistarem esses meios de prova, por exemplo, plantando provas artificiais.

Já se vê que o conhecimento que o suspeito tem da existência de um processo-crime contra si e, sobretudo, dos meios de prova utilizados pela investigação, pode destruir toda a investigação.

A aplicação destes princípios evitaria, além do mais, a tempestade política que o comunicado causou na medida em que a sua divulgação, aos olhos do cidadão comum, deixou a descoberto a honra e honestidade de quem exerce as funções mais elevadas do Governo de Portugal.

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Artigo por: Carlos Melo Alves

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