Neste tempo de reflexão a que todos nós fomos involuntariamente votados, por via de um vírus invisível, ocorre-me cogitar sobre uma outra espécie de vírus: o HACKER.
O distanciamento e o isolamento social apelam ao registo comunicacional dos sentimentos mais profundos do ser humano. Vivemos um período em que o núcleo mais duro da intimidade é levado ao instrumento que nos permite estar juntos: o telemóvel e o computador. Os encontros, os desencontros, os suspiros, o que deixámos por fazer, o amor colado num cantinho do computador.
Vem a propósito questionar a ousadia daqueles que legitimam a invasão aos dados constantes dos sistemas informáticos com o pretexto do aproveitamento de material probatório relevante sem cuidarem de saber dos irreparáveis danos provocados em bens pessoais a todos os títulos inalienáveis.
O modo intrusivo dos hackers acederem aos dados constantes dos sistemas informáticos, ultrapassa todos os métodos abertos e ocultos de investigação, sendo a sua exponencial danosidade traduzida no universo de direitos e de sujeitos atingidos de modo permanente e incontrolável. É uma danosidade que não tem qualquer semelhança ou comparação com a dos meios legais de investigação que em regra delimitam o conteúdo e o tempo de intrusão. As autoridades restringem o acesso à matéria investigada por referência a um determinado período de tempo. Já o hacker espraia a sua curiosidade acedendo ao longo do tempo a um telemóvel ou computador, que consabidamente funcionam como complemento da personalidade do cidadão e nos quais bastas vezes se depositam os mais profundos dos sentimentos como os sons, as imagens e os dizeres pertencentes ao núcleo intangível e absoluto da intimidade do seu titular.
Importa ter presente que o juízo da legalidade da intrusão se reporta ao momento em que o hacker acede aos dados, não podendo entrar em linha de conta com os resultados obtidos através dessa invasão, independentemente do seu potencial probatório. Tal como é fora de dúvida, a legalidade de uma busca não pode ficar dependente da apreensão da arma do crime, na residência do suspeito de homicídio, ainda que banhada de vestígios hemáticos da vitima e do suspeito, mesmo que esse meio de prova se revele determinante para a condenação.
A proibição de valoração desses dados constitui uma proclamação de eficácia das normas preordenadas, tal como acontece quando estão em causa condutas que representam intromissões totalmente incontroláveis na privacidade das pessoas. As normas que protegem comportamentos deste jaez resultariam inteiramente frustradas caso se valorassem as provas obtidas através das provas declaradas nulas.
Por outro lado, as normas saem reforçadas com a cominação legal do inaproveitamento do resultado da sua violação.
Artigo por: Carlos Melo Alves